quinta-feira, 3 de julho de 2014

Linguística ecossistêmica crítica ou análise do discurso ecológica (ADE)

LINGUÍSTICA ECOSSISTÊMICA CRÍTICA ou ANÁLISE DO DISCURSO ECOLÓGICA

Hildo Honório do Couto (UnB)

1. Introdução
A linguística ecossistêmica crítica, como o próprio nome já sugere, faz parte da linguística ecossistêmica, que é a versão da ecolinguística praticada em torno do que veio a ser chamado de Escola Ecolinguística de Brasília. Assim sendo, é importante que antes de mais nada saibamos de que tratam essas diversas disciplinas. Comecemos pela ecolinguística. Ela tem sido definida como sendo o estudo das relações entre língua e meio ambiente. Uma outra definição que tem sido preferida nos últimos tempos é a de que ela é o estudo das relações entre língua e seu meio ambiente. A presença do possessivo “seu” pode parecer de somenos importância. No entanto, ela tem consequências que afetam as próprias bases da teoria ecolinguística.
A linguística ecossistêmica tem esse nome por partir do ecossistema e tudo que lhe diz respeito. Com isso já fica implícito que ela é uma disciplina eminentemente ecológica. Trata-se de uma variante da ecolinguística que tem sido chamada também de ecologia linguística, uma vez que seus partidários se consideram ecólogos, em pé de igualdade com os que praticam ecologia biológica. Do contrário, estaríamos fazendo linguística ecológica, como a esmagadora maioria dos ecolinguistas europeus que, nesse sentido, abandonam a definição original de Haugen (1972). Os partidários da ecologia linguística usam conceitos ecológicos a partir de dentro, ao passo que os da linguística ecológica partem de fora para dentro, ou seja, usam conceitos ecológicos no estudo de fenômenos da linguagem como metáforas.
A linguística ecossistêmica crítica (LEC) é a parte da linguística ecossistêmica que se dedica ao estudo de textos e discursos. Por esse motivo, ela é mais comumente chamada de análise do discurso ecológica (ADE). No que subsegue, poderei usar ora uma, ora outra expressão. Em termos de siglas, usarei LEC, ADE e até ADE/LEC, indistintamente.

2. Ecolinguística
O objeto da ecolinguística foi pioneiramente mencionado por Sapir (1912), mas ela inicialmente definida por Haugen (1972), antes do aparecimento do nome pelo qual é conhecida. No início da década de noventa do século passado ela deslanchou para valer com a publicação de Fill (1987, 1993) e Makkai (1993). Autores como os apresentados na seção 3 mais abaixo a têm definido como sendo o ‘estudo das relações entre língua e meio ambiente’ (Couto 2007). Mais recentemente, porém, ela tem sido entendida como sendo o ‘estudo das interações entre língua e seu meio ambiente’, como se vê nos autores comentados na seção 4. A presença do possessivo ‘seu’ na segunda definição tem profundas implicações epistemológicas. Sem ele, a definição parece deixar implícito que a disciplina trata só de questões de ambientalismo, ou que ela só se dedicaria ao estudo de discursos ambientais. O ‘seu’ da segunda definição indica que se trata das relações que se dão na língua quando considerada em seu meio ambiente que, na verdade, é triplo (natural, mental, social).
Desde seu nascedouro com Fill e seguidores na Europa, a ecolinguística tem se dedicado preferencial e quase exclusivamente ao primeiro tipo de estudo. Tanto que um de seus ramos mais conhecidos é a ecolinguística crítica, de que falarei na seção seguinte. Geralmente ela tem tratado de temas ambientais. No entanto, esse assunto poderia perfeitamente ser tratado também por filósofos, antropólogos, críticos literários (se se tratar de um texto literário que envolva temas ambientais), jornalistas e até pelo leigo. Todo mundo pode dar palpites em questões ambientais. Um bom exemplo de ensaio de ecolinguística crítica avant la lettre é Carvalho (1989). Esse tipo de estudo tem sido chamado também de linguística ecocrítica e linguística ambiental.
Há algumas poucas e honrosas exceções a essa tendência na própria Europa, além da Austrália e dos Estados Unidos. O filósofo da linguagem e ecolinguista alemão Peter Finke tem enfatizado sempre que a ecolinguística não é só “linguística ambiental”. A ecologia pode ser um paradigma para as ciências da linguagem no sentido mais amplo da palavra, ou seja, em sua opinião pode-se estudar qualquer aspecto da linguagem da perspectiva ecolinguística. Nisso Finke é seguido pelo também alemão Wilhelm Trampe e até certo ponto pelo ecolinguista catalão Albert Bastardas i Boada. Como veremos na seção 4, o grande problema com a ecolinguística crítica e congêneres é o tomarem conceitos da ecologia como meras metáforas para o estudo de fenômenos da linguagem, assunto discutido mais detalhadamente em Neves & Bernardo (este volume). A linguística ecossistêmica brevemente exposta na seção 4 procede de modo bem diferente, partindo de dentro da própria ecologia, uma vez que coloca a linguagem dentro do ecossistema (linguístico), não pinçando conceitos ecológicos e os transplantando para a linguística. Mas, antes de entrar nesse assunto, discutamos mais pormenorizadamente a ecolinguística crítica. Em Couto (2014) encontra-se um histórico da ecolinguística.

3. Ecolinguística Crítica
Embora os germes para a ecolinguística crítica já se encontrassem em Fill (1987), uma das maiores influências que ela tem sofrido é da análise do discurso inglesa, sobretudo em ideias de Norman Fairclough. Autores como Richard Alexander e Arran Stibbe referem-se a ele em grande parte de suas produções. A bem da verdade, talvez uns 80% dos ecolinguistas europeus sejam dessa linha. A própria expressão ‘ecolinguística crítica’ surgiu por sugestão da ‘análise do discurso crítica’ de Fairclough. Como já vimos, ela poderia ser perfeitamente também chamada de linguística ecocrítica ou de linguística ambiental.
Fill (1996) salienta que há duas tendências no seio da ecolinguística crítica, que ele chamou simplesmente de ‘ecolinguística’. Em sua opinião, “é possível partir da ecologia e aplicar princípios ecológicos, conceitos e métodos à língua e a sua ciência, mas também a outros sistemas culturais”. Essa linha de orientação teria começado com o próprio Haugen (1972), mas seria praticada também por autores como Wilhelm Trampe, Peter Finke e Hans Strohner, muitas vezes usando a ‘metáfora do ecossistema’. A segunda tendência inverte a direção, “partindo da língua e da linguística, bem como de seus métodos, aplicando-os a temas ecológicos, sobretudo a possíveis causas linguísticas e manifestações linguísticas da ‘crise ecológica’ (crise ambiental)” (p. 3). Essa linha teria começado com a famosa conferência que Michael Halliday proferiu no encontro da AILA em 1990 (cf. Halliday 1990). Nela entraria toda a ecolinguística crítica. Fill salienta ainda os dois líderes da chamada Escola Ecolinguística de Odense, Dinamarca, quais sejam, Jørgen Døør e Jørgen Chr. Bang. Essa orientação representa um tipo de “construtivismo linguístico”.
Em Ramos (2009: 69) temos uma tentativa de distinguir análise crítica de discurso e ecolinguística. De acordo com ele, “enquanto a primeira define como objecto o ‘discurso’, incorrendo, naturalmente, e em consequência disso, na consideração e análise da ‘língua’, a ecolinguística crítica explora em planos de relevo semelhante a ‘língua’ e o ‘discurso’, considerando que é aquela que, em muitas manifestações discursivas, configura um discurso não ecológico, favorecendo visões antropocêntricas do mundo e a separação e ascendência dos seres humanos face aos restantes seres vivos”. Ainda em sua opinião, “são identificáveis na ecolinguística crítica duas linhas de orientação: a par de uma linha que elege o sistema linguístico como objecto privilegiado de estudo, há uma outra que visa a análise discursiva e textual das manifestações verbais”. Nas seções 5 e 6, abaixo, temos mais discussão sobre a ‘análise do discurso (crítica)” comparativamente à ‘análise do discurso ecológica (ADE)” aqui proposta.
  
4. Linguística Ecossistêmica
Seguindo autores como Haugen, Finke e Trampe, entre muitos outros, começou a surgir uma variante da ecolinguística que parte da ecologia de modo radical em dois sentidos: primeiro, por partir do conceito central dessa disciplina biológica, que é o de ecossistema, donde o nome linguística ecossistêmica; segundo, porque a linguística ecossistêmica não toma conceitos da ecologia biológica e os aplica nos estudos da linguagem. Pelo contrário, ela é parte da macroecologia, em condição de igualdade com a ecologia biológica, motivo pelo qual um nome alternativo para ecolinguística em geral é ecologia linguística. Os conceitos centrais da linguística ecossistêmica são exatamente os mesmos da ecologia biológica, como população, território e interações.
O fato é que, como se pode ver no prefixo “eco-”, a ecolinguística é uma disciplina ecológica, inclusive no sentido literal. Se ela é uma disciplina ecológica, devemos começar sua caracterização pela procura dos conceitos centrais da macroecologia, entre os quais se sobressai o de ecossistema. Na ecologia biológica, ele é a totalidade formada por uma população de organismos vivos, seu meio ambiente (habitat, biótopo ou território) bem como pelas interações que se dão tanto dos organismos com o meio quanto das que se dão dos organismos entre si. Na ecologia linguística, a população de organismos é o povo (P), o meio ambiente (físico) é o território (T) e as interações são a língua (L). O todo formado por povo, língua e território é o ecossistema linguístico. Em seu interior, PT constitui o meio ambiente da língua. Tanto o ecossistema linguístico como o meio ambiente da língua que se encontra em seu seio podem ser natural, mental ou social.
Se a língua é constituída pelas interações que se dão no interior do ecossistema linguístico, faz-se necessário examinar esse conceito em pormenor. Na verdade, existem quatro ecossistemas linguísticos. O primeiro deles é o ecossistema natural da língua, que consta de um povo (P) específico, como os kamayurás do Parque Indígena do Xingu, a parte do Parque que eles ocupam como seu território (T) e o meio tradicional de seus membros comunicarem entre si, sua língua (L), que é o kamayurá. No interior desse ecossistema, P e T constituem o meio ambiente natural da língua kamayurá. Mas, a língua se forma, fica armazenada e é processada no cérebro dos falantes. Aí temos o ecossistema mental da língua, constituído pelo cérebro como o locus das interações mentais da língua. As próprias interações se dão nas conexões neurais, no que constitui a mente, que não é nada mais do que o cérebro em funcionamento. No caso, o cérebro e a mente juntos constituem o meio ambiente mental da língua. Mas, para o leigo, a língua é basicamente um fenômeno social. Ecolinguisticamente, o ecossistema social da língua é apenas um entre outros quatro. Ele consta de uma coletividade de indivíduos como seres sociais. A sociedade é o locus das interações entre esses indivíduos sociais. Sociedade mais coletividade formam o meio ambiente social da língua.
Esses três ecossistemas convergem no ecossistema fundamental da língua, também conhecido como ecossistema fundacional da língua. Para o leigo, no entanto, ele pode ser chamado simplesmente de comunidade. Ele é geral, por abranger os três outros. É nele que se fazem as perguntas fundamentais sobre a língua. Uma delas é a que o leigo faz, sempre que ouve o nome de uma língua (em geral) pela primeira vez (L). Sua primeira pergunta é que povo (P) fala essa língua. A segunda é onde se localiza esse povo (T). Como não poderia deixar de ser, o meio ambiente fundamental da língua é PT.
Tudo isso constitui o que se poderia chamar de os galhos e as folhas da árvore da linguagem. O tronco é constituído pela ecologia da interação comunicativa. Ela consta de um falante, que se autodenomina EU, e um ouvinte, que ele chama de TU (VOCÊ). Aquele ou aquilo de que ele fala e/ou aquele ou aquilo que está com ele é ELE1. Aquele ou aquilo que está com o ouvinte ou a que(m) ele se refere é ELE2. ELE1 mais ELE2 constituem ELES. Nas interações concretas, frequentemente ELE1 mais ELE2 e ELES são substituídos por outros nomes, como árvore, nuvem, pessoa, constituição, computador etc., vale dizer, todos os substantivos da língua, os nomes, são substitutos dos pronomes, contrariamente ao que a tradição gramatical quer nos fazer crer. As demais classes de palavras também nascem aí, uma vez que os enunciados produzidos os atos de interação comunicativa contêm ações (verbos), atributos (adjetivos), partículas que unem palavras (preposições) e orações (conjunções) etc. Enfim, todo o vocabulário da língua nasce aí.
Há outras possibilidades combinatórias dos participantes da ecologia da interação comunicativa, algumas das quais são usadas por determinadas línguas, outras não. Por exemplo, o tupi e o guarani distinguem EU + ELE1 de EU + TU. A primeira combinação é o nós exclusivo oré; a segunda, o nós inclusivo jandé. Outras línguas fazem outras distinções, como o crioulo inglês tok pisin, da Papua-Nova Guiné. A língua como interação consta ainda de um conjunto de regras interacionais, formuladas por Couto & Couto (2013), e de outro de regras sistêmicas. Na verdade, as regras sistêmicas (gramática) são parte das interacionais. Tanto as primeiras quanto as segundas existem para eficácia da interação comunicativa. Isso provoca uma reviravolta na visão estruturalista de língua, para a qual língua é basicamente gramática. Ecolinguisticamente, porém, as regras sistêmicas são coadjuvantes das regras interacionais, elas são também interacionais. Por fim, a ecologia da interação comunicativa envolve também um cenário em que o drama dos atos de interação comunicativa se desenrola. É dos atos de interação comunicativa que nasce a língua, ontogenética e filogeneticamente.

5. Linguística Ecossistêmica Crítica
A ecolinguística tem um escopo bastante abrangente, holístico, de modo que nada do que tange à linguagem lhe é estranho. Por isso, a versão dela tratada na seção anterior, a linguística ecossistêmica, apresenta uma variante que se dedica ao discurso, chamada linguística ecossistêmica crítica (LEC), por sugestão tanto da ‘ecolinguística crítica’ quanto da ‘análise do discurso crítica’ de Norman Fairclough. Ela foi proposta pela primeira vez por escrito em Couto (2013). Por tratar de análise do discurso, o nome mais comum para a LEC é análise do discurso ecológica (ADE). Mas, alguém poderia perguntar o que há de diferente na abordagem da ADE/LEC, ou seja, o que ela faz que não poderia ser feito também por essas outras disciplinas. É o que pretendo discutir na presente seção.
Na verdade, há inúmeros ensaios no contexto dessas e de outras disciplinas que têm tratado de questões ambientais. Grande parte dos ecolinguistas tem se dedicado a esse tipo de estudo, como se pode ver nas coletâneas publicadas e nos encontros ecolinguísticos. Já vimos que até mesmo estudiosos de outras áreas têm incursionado pela “análise de discurso ecológico”. O que a ADE propõe é diferente, ela não faz apenas análise de discurso ecológico, antiecológico ou pseudo-ecológico. Pelo contrário, ela faz análise ecológica de discurso. Como parte da linguística ecossistêmica ela é uma disciplina da ecologia que faz estudos de fenômenos da linguagem, não uma disciplina da linguística que faz estudos de fenômenos ecológicos. Ela lembra muito a proposta da ecolinguagem (Matos et. al., este volume). No contexto da análise do discurso crítica já há alguma coisa que vai na direção das ideias da ADE/LEC. Uma delas é a chamada ‘análise do discurso positiva’ (Martin 2004, 2006; Vian Jr. 2010). No entanto, ela continua seguindo as mesmas diretrizes da análise do discurso crítica.
A análise do discurso tradicional, tanto a filiada a Pêcheux quanto a de linha anglo-saxônica, enfatiza sempre a ideologia e as relações de poder. Isso é muito importante, no entanto, a ideologia no caso é a marxista. Em Pêcheux e seguidores, essa ideologia é filtrada pela obra de Louis Althusser, portanto, é radicalmente marxista. A de linha inglesa parte de um marxismo menos radical, filtrado por Gramsci e pela Escola de Frankfurt, mas continua sendo ideologia marxista. Ora, a ideologia marxista tem pelo menos três características que são inaceitáveis em uma visão ecológica do mundo. A primeira delas é a ênfase no conflito, sobretudo entre “classe dominante” e “classe dominada”. Os praticantes de ADE preferem ligar-se à visão de mundo ecológica e às filosofias orientais, como o hinduísmo, o budismo e o taoísmo (Couto 2012). Como no caso de conceitos polares, como bom-ruim, grande-pequeno, escuro-claro etc., a ideologia do conflito os considera como antagônicos, é um contra o outro, é um ou outro. Na visão oriental, eles são complementares. Só existe o bom em relação ao ruim, o grande só frente ao pequeno, o claro apenas comparativamente ao escuro e assim por diante. Isso porque essa filosofia enfatiza a harmonia e tudo que lhe diz respeito, não o antagonismo das ideologias.
A segunda característica do marxismo que a ADE não aceita é o antropocentrismo, que em Marx aparecia sob o manto de humanismo. Se os humanos são os “reis da criação” tudo o mais existe para servi-los, portanto, eles podem usar e abusar de tudo. Essa ideologia está nos levando a um beco sem saída, uma vez que estamos destruindo todas as bases para a vida na face da terra, em uma atitude suicida. A ADE, seguindo a ecologia profunda (Naess 1973, 1989, 2002; Couto 2012: 49-67), defende a autorrealização de todos os seres. Os humanos não têm mais direito à vida do que os demais seres vivos.
O terceiro traço do marxismo que a LEC não pode aceitar é a defesa da ditadura do proletariado. Praticamente todos os países que supostamente adotaram o regime marxista ficaram com a ditadura e deixaram o proletariado de lado. Na verdade, todos os regimes caricaturalmente chamados de “marxistas” são ditaduras hereditárias, como ainda se pode ver nos regimes jurássicos da Coreia do Norte e de Cuba. Uma vez que, segundo se diz, não é possível evitar as ideologias, no caso da ADE podemos falar em ideologia da vida, ou ideologia ecológica, ou seja, aquela que defende intransigentemente a vida e luta contra o sofrimento.
Repetindo, a ADE/LEC, ao contrário da análise do discurso tradicional, põe a ênfase na defesa da vida na face da terra e em uma luta contra tudo que possa trazer sofrimento. É verdade que o sofrimento e a dor são uma proteção que os seres vivos têm contra a morte. Se não existissem a dor e o sofrimento, eles não se importariam com a mutilação do próprio corpo. Por isso, todo ser vivo está sempre à procura do próprio bem-estar, ou da própria autorealização, como se diz na ecologia profunda, e essa autorealização não é nada mais nada menos do que o que os humanos chamam de bem-estar e felicidade. A morte existe para dar continuidade à vida, para que a natureza recicle a matéria de um ser utilizando-a em outros seres vivos. No entanto, pelo menos nas situações em que dor, sofrimento e morte podem ser evitadas, devemos evitá-las. É o que sugere a ADE/LEC.
Em conformidade com as categorias da linguística ecossistêmica, e uma vez que somos seres não apenas animais (natural), mas também temos uma vida psíquica (mental) e vivemos em sociedade (social), devemos fazer distinção entre sofrimento físico (natural), mental e social. O sofrimento físico ocorre quando há ferimentos, mutilações ou outro tipo de agressão física. Todo sofrimento físico é um movimento na direção da morte, que é o sofrimento físico máximo. Procurar a autorealização é evitá-los ou ir contra eles. É preciso, porém, esclarecer que há graus de sofrimento. Um beliscão (físico) pode ser muito menos intenso do que uma tortura mental, xingamentos, assédios etc. Ser difamado e desmoralizado perante a comunidade também é um sofrimento social bem mais forte do que o beliscão. 
Se um estudioso de LEC for analisar um discurso que fale de uma mulher que apanha todo dia do marido que chega bêbado em casa (alguns desses maridos chegam a matar a mulher), ele a defenderá não por ser mulher, como faz a ideologia feminista, nem por se tratar de um ato de machismo em si. Ele a defenderá por ser um ser vivo (humano) que sofre. Assim, ela será defendida partindo de uma causa muito maior do que a justa luta das feministas contra os machistas, como reconhecido na bem-vinda Lei Maria da Penha. O feminismo e o ecofeminismo tratam da questão da mulher pelo ângulo do conflito (ideologia, marxismo), pelo lado do confronto, ao passo que a ADE o faz pelo da conciliação e da harmonia.
Assim procedendo, a ADE estará considerando a mulher uma igual do homem, não seu antagonista. O mesmo princípio vale para o caso de manifestações de racismo, de homofobia, de etnocentrismo etc. No caso de algumas práticas tradicionais como o tratamento que a mulher recebe em alguns países muçulmanos (como a excisão do clitóris), do infanticídio entre alguns grupos ameríndios e assemelhados, temos o dilema de se ficar do lado da vida ou de tradições culturais arraigadas. A posição da ADE é muito clara: ela se posiciona decididamente do lado da vida e contra o sofrimento. Com efeito, tradições culturais mudam, mas a morte é irreversível. No entanto, é preciso ter em mente que a ADE fornece apenas linhas gerais a partir das quais se podem julgar casos particulares. Na verdade, cada caso é um caso, portanto deve ser avaliado no contexto a que pertence, mas sempre tendo como pano de fundo essas diretrizes. O que fazer com o sofrimento da criança que será sacrificada frente ao sofrimento do grupo social se a tradição não se mantiver?
Vejamos sinoticamente algumas características da análise do discurso (AD) e da análise do discurso crítica (ADC) frente às da análise do discurso ecológica. Em primeiro lugar, a AD(C) encara o objeto de estudo do ponto de vista ideológico-político, quando muito psicanalítico, como na AD francesa. A ADE põe em primeiro plano a questão da vida na face da terra, a ecologia, que é parte da biologia. Se é para falar em ideologia, que seja a ideologia ecológica ou da vida. A AD(C) está em sintonia com a filosofia ocidental, que enfatiza a competição (marxismo: conflito), o que pode levar ao ódio, à violência e à guerra. A ADE tem mais afinidade com as filosofias orientais (hinduísmo, budismo, taoísmo) que enfatizam a cooperação, o que leva à harmonia, ao amor. A AD(C) parte do ponto de vista lógico (from a logical point of view), como defende o filósofo americano Willard Quine; ela não refuta nem critica a visão de mundo ocidental, que é reducionista. A ADE parte do ponto de vista ecológico (from an ecological point of view), propugnado pelo ecolinguista e filósofo da linguagem alemão Peter Finke (1996). Esse ponto de vista é abrangente, holístico. Combate a cosmovisão ocidental. A AD tende a apenas analisar e criticar os estados de coisas de que trata, com raríssimas exceções, como a ADC. A ADE analisa, critica e prescreve/recomenda comportamentos que favoreçam a vida e evitem o sofrimento. A AD(C) é humanista, logo, antropocêntrica como o marxismo, cuja filosofia assimila, como se pode ver em Ramos (2009). A ADE é biocêntrica, ecocêntrica, como a ecologia profunda. A AD(C) critica o estruturalismo, sobretudo a gramática gerativa. A ADE critica o estruturalismo, a gramática gerativa e a AD(C). A AD(C) dedica-se a discursos produzidos, logo, a produto, algo feito, coisa, o que significa que ao fim e ao cabo ela implica uma certa reificação da língua. A ADE, por ser parte da linguística ecossistêmica, dá preferência ao próprio processo de produção de discursos (das Fliessen selbst [o próprio fluxo], Fill, 1993). A ecologia da interação comunicativa é o núcleo central da linguística ecossistêmica, e da ADE. A AD(C) dedica-se apenas ao ecossistema social, quando muito chegando até o ecossistema mental, como as tímidas influências da psicanálise em alguns trabalhos em AD francesa. A ADE leva em conta não só o ecossistema social e o mental, mas também o natural, com o que se aproxima da ecocrítica (Couto 2007: 434-442). Ela tende a incluir até mesmo a dimensão espiritual.

6. Categorias da ADE/LEC
Passando à consideração de alguns conceitos ecológicos que podem (e devem) ser usados na análise de textos/discursos, comecemos pelo de diversidade. Sua aceitação implica uma atitude de tolerância para com o outro, sobretudo quando é diferente. A não aceitação implica intolerância, o que pode conduzir à agressividade e à violência, sobretudo contra as minorias de todos os tipos. Sua aceitação pressupõe uma política de cooperação e harmonia, conceito que já está previsto na própria ecologia biológica, no caso, nas relações harmônicas, que podem se dar não só intraespecífica, mas também interespecificamente. No primeiro caso, temos as relações entre os seres humanos; no segundo, entre eles e seres de outras espécies de animais. O contrário seria a subordinação dos mais fracos aos mais fortes e a consequente imposição da vontade dos segundos sobre os primeiros. Como se vê, aqui entra a questão do poder. Isso pode levar ao fundamentalismo que, como sabemos, frequentemente chega até à violência. Por isso, a ecologia profunda que inspira a ADE recomenda uma atitude à la Gandhi (uma das fontes de inspiração da ecologia profunda), isto é, firme, porém, não violenta. Enfim, a ADE/LEC respeita a diversidade natural, mental e social. 
Intimamente associada à diversidade temos a questão das interações (inter-relações, relações). No interior do ecossistema, nada está isolado, tudo está de alguma forma relacionado a tudo, direta ou indiretamente. Havendo uma diversidade de seres e inter-relações, pode-se dizer do próprio ecossistema que ele é uma cadeia ou teia de inter-relações que se dão entre organismos, entre organismos e meio, e assim por diante. Haverá tanto mais relações quanto mais diversidade de organismos e de meios houver no ecossistema, de modo que os dois conceitos estão intimamente inter-relacionados. As interações estão intimamente associadas à harmonia do todo, donde o holismo, uma vez que é em seu interior que elas se dão. Elas são multilaterais, multipolares e pluricêntricas. Os totalitarismos, ao contrário, são monocêntricos e centrípetos, motivo pelo qual muitas vezes levam ao conflito, uma vez que não aceitam a diversidade que as inter-relações multilaterais implicam.
Ainda na dinâmica das inter-relações, há uma constante adaptação de organismos ao meio e do meio aos organismos, além das adaptações dos próprios organismos entre si. A adaptação do meio aos organismos era menor no começo filogenético da vida, mas vem se intensificando a cada dia que passa, sobretudo devido ao desenvolvimento tecnológico (essa adaptação pode levar a um beco sem saída). O mundo e a cultura (inclusive a língua) são dinâmicos, estão sempre mudando, se adaptando às novas situações que a natureza (e a cultura) lhes apresenta. Não se adaptar é oferecer resistência, o que pode também levar à desarmonia, ao conflito e à violência, quer contra outros seres humanos, quer contra os demais seres vivos e à natureza em geral, como se vê nas ações predatórias. A visão darwinista falava em competição e sobrevivência do mais forte. As novas pesquisas em ecologia têm mostrado que sobrevive mais aquele que se adapta mais, não necessariamente o mais forte. Se fosse assim, os dinossauros não teriam desaparecido. Adaptar-se é procurar viver em harmonia com o meio e com o outro, conceito central do taoísmo e, indiretamente, da ecologia profunda.
Adaptação é a cara da moeda cuja coroa é a evolução. Hoje em dia é sobejamente sabido que a evolução se dá ciclicamente. Tudo na natureza se move em ciclos. Veja-se a alternância dia/noite, as estações do ano, o ritmo biológico de nosso organismo, entre outros. Na própria cultura, aí inclusa a linguagem, as mudanças se dão por ciclos. Basta observar a moda. Quantas vezes já não vimos os estilistas, os que ditam a moda, dizerem que agora o chique é o que se fazia nos anos 60 ou nos anos 80, por exemplo? Basta criar-se um termo para designar isso, como retrô, por exemplo. Em Couto (2012: 179-199) há alguns exemplos de evolução cíclica na literatura e na linguagem. Com isso, entramos no domínio da reciclagem. Ela tem a ver diretamente com o consumismo capitalista desenfreado. Só recicla quem tem consciência de que o consumismo e a descartabilidade são prejudiciais à manutenção da vida na face da terra, sobretudo a longo prazo. Para agir assim, é necessário que se pratique uma economia sustentável, que leve a ecologia em consideração.
A ideologia ecológica defende os três ‘r’, ou seja, redução, reutilização e reciclagem. Descartar tudo em vez de reduzir, reutilizar e reciclar exige uso e abuso dos recursos da natureza, e não só da natureza viva, além de poluí-la. Nossa intervenção nela está se intensificando a cada dia que passa e se tornando cada vez mais predatória. Isso traz sofrimento aos seres vivos, como o consumo exagerado de carne, que exige o sacrifício de centenas, de milhares, de milhões de animais. A própria criação extensiva de gado de corte, e até de leiteiro, exige o estabelecimento de imensas pastagens, com uma única espécie de gramínea ou capim, a braquiária, por exemplo, o que implica um sacrifício (morte) na diversidade da flora e até da fauna. Para reduzir a última, como no caso dos insetos, recorre-se aos pesticidas. Aqui a redução é prejudicial, uma vez que reduz a diversidade de seres vivos no ecossistema, vale dizer, provoca sua morte e, frequentemente, aniquilamento, além de matar os organismos que consomem os insetos.
Voltando à visão holística, ao todo do ecossistema, notamos que nessa qualidade ele se inter-relaciona com os ecossistemas vizinhos, fornecendo e recebendo matéria, energia e informação deles. Dito em outras palavras, esse todo apresenta a característica da abertura, às vezes também chamada de porosidade. Essa característica do ecossistema, juntamente com a diversidade, enseja a tolerância para com os de outras espécies, outros grupos étnicos, vai contra o etnocentrismo, o racismo e os demais “ismos” acima mencionados. Ela nos ensina que nada está isolado, portanto, recebe influência de fora, além de enviar seus influxos para fora. Ela nos leva a ser receptivos à ideia do outro, mesmo quando não concordamos com ela. Aceitá-la não no sentido de adotá-la, mas no de respeitá-la. Afinal, o certo e o errado são conceitos criados socialmente, logo, são relativos. Além de esses conceitos não existirem na natureza, variam de comunidade para comunidade e de um segmento social para outro. Aliás, se quisermos usar o conceito de “errado”, ele se aplicaria ao que traz sofrimento como entendido no presente contexto. O que não o traz não pode, legitimamente, ser considerado errado. 
Existem diversos outros conceitos ecológicos de que se pode lançar mão na ADE. Entre eles, temos as já mencionadas relações harmônicas versus relações desarmônicas, tanto intraespecíficas quanto interespecíficas. Entre as relações harmônicas interespecíficas, poderíamos mencionar o inquilinismo, o comensalismo e o mutualismo. No que tange às relações desarmônicas interespecíficas, sobressaem-se o predatismo (predador versus presa) e o parasitismo. Aqui alguém poderia alegar que o predador traz dor e sofrimento à presa. É verdade, no entanto, que isso é parte da cadeia trófica, ou cadeia alimentar. É um modo de a natureza manter o próprio equilíbrio, a própria sustentabilidade. Entre as relações desarmônicas intraespecíficas, poderíamos trazer à baila a competição, que se dá também nas interespecíficas. Aquilo que se chama comunhão em linguística ecossistêmica (pressuposto para a interação comunicativa) se enquadra nas relações harmônicas intraespecíficas. Enfim, na própria ecologia geral, bem como em suas vertentes filosófica, sociológica etc., já temos os conceitos necessários e suficientes para efetuarmos estudos críticos sobre discursos/textos que falem de diversos assuntos. Nos dias atuais não precisamos mais ter medo do biologismo. Usar a ecologia geral como base para os estudos culturais (e linguísticos) é assumir o ponto de vista da vida, justamente estudada pela biologia, de que a ecologia geral (e a linguística) faz parte.
Devemos lutar inclusive contra a depredação da natureza não animada. Se não cuidarmos das águas, por exemplo, elas podem ser poluídas a tal ponto que podem envenenar não só a nós, mas também aos demais seres vivos. Elas podem mesmo desaparecer, com o que todos pereceriam. Do mesmo modo devemos ter cuidado para não poluir o ar demasiadamente. Do contrário não teremos oxigênio para respirar. Não devemos usar determinados produtos que causam o efeito estufa, pois, do contrário, poderemos morrer todos assados ou, então, com câncer de pele. Não se trata de uma visão apocalíptica nem catastrofista. Trata-se de ser realista. O que já vimos até agora aponta claramente para essa direção. Por que não assumir uma atitude de prudência?

7. Mini-análise de um texto abstrato
Analisar textos/discursos ambientais, antiambientais e pseudoambientais não apresenta grandes problemas. Isso pode ser feito a partir de qualquer perspectiva, como já foi sugerido acima. Na verdade, a AD e a ADC quando se debruçam sobre questões desse tipo fazem-no como qualquer modelo faria, envolvendo questões ideológicas. A ADE, por seu turno, em princípio pode ser usada para a análise de qualquer tipo de texto, inclusive textos abstratos. É o que vou tentar mostrar agora a propósito de um silogismo, uma das manifestações verbais mais abstratas, que conteria apenas relações lógicas. O silogismo que vou usar é o que se vê logo a seguir, que nos foi legado pela tradição aristotélica.

Todo homem é mortal. Ora, Sócrates é homem, logo, Sócrates é mortal.

O “tema” do silogismo é a morte. Essa questão tem a ver diretamente com a da vida, uma vez que uma só existe em relação à outra. Quando falamos em vida, estamos deixando implícita a morte, pois, só os seres vivos morrem. Com isso já estamos nos aproximando da visão ecológica de mundo, uma vez que a vida é estudada pela biologia, de que a ecologia faz parte.
De acordo com a definição de dicionário, silogismo é um “raciocínio dedutivo estruturado formalmente a partir de duas proposições, ditas premissas, das quais, por inferência, se obtém necessariamente uma terceira, chamada conclusão”, como está dito no Houaiss. Como nos ensinam os manuais de lógica, ele não descreveria nada, seu valor estaria apenas nas relações lógicas. Vejamos os itens lexicais do silogismo, ou seja, homem, Sócrates e mortal. Os dois primeiros se referem a algo existente no mundo natural, enquanto que o terceiro reporta-se a qualidade, propriedade ou atributo de entidades nele existentes. Esse fato já fora apontado por Russel (1982: 56-57), reportando-se a Parmênides. Portanto, os três pilares do argumento remetem ao mundo natural, de modo imediato. Sem eles não haveria a menor possibilidade de conexão lógica. Enfim, como já haviam demonstrado os pensadores da Port-Royal, só há conexão lógica entre entidades reais do mundo real. Sem essas conexões com o mundo real (referência, significação), o silogismo seria ininteligível.
O silogismo é constituído de três sentenças afirmativas. Como alguns linguistas e filósofos da linguagem têm demonstrado, todo enunciado afirmativo é uma resposta a alguma pergunta, mesmo que tácita. No caso, os enunciados todo homem é mortal, Sócrates é homem e Sócrates é mortal certamente surgiram como uma pergunta filosófica, mesmo que não formulada explicitamente. No caso, teríamos algo como todo homem é mortal?, Sócrates é homem? e Sócrates é mortal? Com isso, os enunciados do silogismo entram indiretamente no núcleo da linguística ecossistêmica, e da ADE/LEC, que é a ecologia da interação comunicativa. Trata-se de algo como os provérbios. Os paremiólogos têm demonstrado que minitextos como água mole em pedra dura tanto bate até que fura devem ter sido proferidos em algum ato de interação comunicativa concreto, que deve ter se dado em algum momento do passado. Nesse caso, eram resposta a perguntas, mesmo que tácitas, do tipo água mole bate em pedra dura?, água mole fura pedra dura? etc.
De novo como nos provérbios, na primeira vez em que o texto do silogismo foi produzido havia um falante dizendo isso a um ouvinte, em algum lugar da antiga Grécia. Vale dizer, nesse momento inicial ele foi parte de uma ecologia da interação comunicativa completa, que incluía um cenário. Infelizmente, porém, não temos como recuperar essa EIC. Só podemos deduzir que ela deve ter existido pelo fato de o “enunciado” vir sendo repetido ao longo da história. Se vem sendo repetido, deve ter havido uma primeira repetição, um momento posterior ao primeiro, aquele em que ele foi proferido pela primeira vez. Enfim, a dimensão histórica também é importante, e aqui vale a pena voltar ao texto de Bertrand Russel recém-mencionado. 
Quanto aos conectores lógicos, podem ser interpretados em termos de inclusão, como se vê na figura abaixo (o da esquerda está contido no da direita):

"Sócrates" > "homem" > "mortal"

Como se vê, Sócrates é um ser vivo, humano, que pertence à classe homem. Este último, por seu turno, pertence à classe dos seres vivos que, por sê-lo, morrem, são daquele tipo de ser que é mortal. Ora, a inclusão é algo que existe na natureza independentemente de qualquer outra coisa ou ser vivo que possa intervir nele. Couto (2007: 140) menciona o caso do caroço no interior de uma fruta. Ele está lá sem que ninguém o tenha colocado, sem que haja ninguém para observá-lo, ou para criá-lo discursivamente. É uma das relações mais primitivas, no sentido de originais. É a relação por excelência. Tanto que a preposição que a codifica, em/dentro de, existe em todas as línguas do mundo e é uma das primeiras a ser adquirida pela criança. Vale dizer, até as “relações lógicas” têm a ver com o mundo natural em que se desenrola o drama da vida.
Uma diferença fundamental entre a interpretação da ADE e a da AD(C) é que a primeira parte da ecologia da interação comunicativa como um todo, não apenas do produto dessa interação. Esse produto aparece sob a forma de texto, que é considerado a materialização do discurso. Por ser parte da linguística ecossistêmica, o ponto de partida da ADE não é esse produto que, no fundo no fundo, é uma “coisa”. Para terminar, é importante repetir que não foi necessário recorrer a nenhuma ideologia que não a da vida nesse esboço de análise.  


8. Conclusões e perspectivas
Pode parecer que a proposta de mais um modelo de análise do discurso seria desnecessária, uma vez que já existem tantos no mercado. A tal ponto que frequentemente eles se digladiam entre si. Como já se disse a propósito do funcionalismo em linguística, eles são um conglomerado de teorias que só têm em comum a oposição ao papa. No caso, o papa é o estruturalismo, sobretudo o gerativismo. Eu tenho plena convicção de que a ADE/LEC traz novas ideias para a análise do discurso, isenta de ideologias político-partidárias, religiosas etc. Melhor dizendo, a ADE/LEC parte da ideologia da ecológica. Como foi enfatizado em diversas passagens acima, a AD tradicional se baseia direta e indiretamente na ideologia marxista. Ora, essa ideologia é uma das piores partes do marxismo. Diversas outras categorias do materialismo dialético são perfeitamente assimiláveis pela visão ecológica de mundo aqui perfilhada. Entre elas temos a da totalidade, que lembra o holismo ecológico, e a dialética, que se assemelha às interações ecológicas. 
Há basicamente dois tipos de estudos científicos válidos. O primeiro é aquele que traz dados novos, como quando a física descobre um novo corpo celeste, um novo planeta, uma nova galáxia. Infelizmente, porém, no âmbito das ciências humanas não é possível descobrir fatos novos. Mas é possível apresentar uma nova interpretação para fatos já interpretados por outros modelos teóricos. Se essa nova interpretação for mais interessante do que as anteriores, o modelo teórico pode ser considerado válido. Caso contrário, ele pode ser descartado. Eu estou convicto de que a ADE pode lançar uma nova luz sobre o mercado da análise do discurso. Pode até acontecer de ela não pegar, ou seja, não ser aceita e/ou não ser considerada como válida, mas que ainda não existia uma proposta de análise de discursos partindo da visão ecológica de mundo, isso lá é verdade.

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[Publicado no livro Antropologia do imaginário, ecolinguística e metáfora. Brasília: Thesaurus, 2014, organizado por Elza Kioko Nakayama Nenoki do Couto, Ema Marta Dunck-Cintra, Lorena Araújo de Oliveira Borges, p. 27-41]


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