Autores:
Francisco Gomes de Matos (UFPE)
Elza Kioko N. N. do Couto (UFG)
Adilson Marques (FESC)
Hildo Honório do Couto (UnB)
1.
Introdução
A
primeira ideia que vem à mente quando ouvimos a palavra 'ecolinguagem' é a de
que ela seria a "linguagem ecologicamente correta". Essa é a opinião
do leigo. Porém, ela é apenas parcialmente correta e pode levar a
interpretações equivocadas, como sói acontecer. Por isso, deixemos a
conceituação para a seção seguinte e passemos ao surgimento da própria palavra.
Durante
a realização do I Encontro Brasileiro de Imaginário e Ecolinguística (I EBIME),
na UFG, de 5 a 6 de dezembro de 2013, ela apareceu pelo menos no título de
Marques (2013). Em Couto & Silva (2013) ela foi discutida em algumas seções
do ensaio, como veremos mais abaixo. Na internet, não encontramos
nenhuma ocorrência da palavra 'ecolinguagem' em português, sem hífen. Com
hífen, porém, ela apareceu pelo menos no subcapítulo de um artigo traduzido do
inglês intitulado "Eco-linguagem: fazendo a natureza significar
'meio-ambiente'". Em inglês, espanhol, francês e alemão ela ocorreu, com e
sem hífen, em geral fora dos estudos linguísticos, com raríssimas exceções. Em
ensaios científicos, o termo já surgiu pelo menos duas vezes, como em Ferreira
(2002) e Martí Marco (2006), às quais voltaremos logo abaixo. É importante
ressaltar desde já que o sentido atribuído à palavra por elas não é
necessariamente o mesmo em que a usamos aqui. De qualquer forma, o termo se
insere no contexto da visão ecológica de mundo, que tem dado origem a muitas
eco-palavras, que veem aumentando a cada dia que passa. Pelo menos em português
e em galego já ocorreu também a variante 'ecolíngua'.
2.
Conceituando Ecolinguagem
Para
entender o que é ecolinguagem, é necessário associá-la à visão ecológica
de mundo. Com isso, ela tem muito a ver com a ecolinguística, embora não se
possa dizer que a última a tenha como objeto de estudo. Na verdade, ecolinguística
é o estudo das relações entre língua e seu meio ambiente (natural, mental,
social), ou das interações verbais que se dão no meio ambiente natural, no
mental e no social. Vale dizer, a tentação de dizer que a o objeto de estudo da
ecolinguística é a ecolinguagem é muito grande, no entanto, a ecolinguística é
mais ampla, uma vez que toda e qualquer manifestação linguística está no seu
âmbito de interesse. A fim de encaminhar a discussão de modo mais direcionado,
comecemos pela opinião das duas autoras já mencionadas, cujos ensaios estão em
alemão.
A primeira delas é a ucraniana Olga Malachowa.
Malachowa (1996) é inteiramente dedicado à ecolinguagem, em alemão Ökosprache.
Para ela, um dos objetivos da ecolinguagem é "aperfeiçoamento das relações
dos humanos com o meio ambiente", acrescentando que "como resultado
desse processo surgirá um novo nóvel
lexical" (p. 205). Trata-se do ecoléxico. Ela não chega a definir
'ecolinguagem'. O significado fica implícito ao longo de todo o texto. Em
alemão o ecoléxico apresenta cinco tipos de expressões, ou seja, 1) inovações
lexicais, 2) formação de palavras, 3) ressignificação de palavras, 4)
fraseologismos, 5) estrangeirismos.
Seis
anos depois, a portuguesa Adelaide Ferreira também usou a palavra. Em Ferreira
(2002), ela conceitua o equivalente alemão de ecolinguagem (Ökosprache)
como sendo menos concreto do que “linguagem de casa” (Haussprache). Para
ela, ecolinguagem “tem a ver com naureza/meio ambiente de modo mais concreto”.
Entre as palavras que inclui na ecolinguagem encontram-se: “meio ambiente”,
“natureza (livre)”, “ecologia”, “reservas naturais”, “biótopo”,
“oceanos”, “Amazônia”, “energia atômica”, “animais selvagens”, “plantas”,
“catástrofe climática” e “tratamento do ecossistema".
A
terceira é a espanhola Martí Marco (2006) que, na verdade, retoma ideias de
Malachowa e Ferreira. Para ela, ecolinguagem (Ökosprache) é uma
‘linguagem de especialidade’, no caso, da ecologia e tudo que tem a ver com
ela. Acrescenta que o uso quotidiano "ameaça tornar 'ecologia' uma
etiqueta para tudo que é bom, como o que está longe das cidades, ou para tudo
que não contenha produtos químicos sintéticos". Menciona como parte do
ecoléxico expressões como natural, ambiental etc. Algumas expressões indicam atributos
positivos (verde, amigo do meio ambiente); outras, atribbutos
negativos (poluição, ameaçado, esgotato).
Como
já notado acima, durante o I EBIME o termo ecolinguagem ocorreu também em Couto
& Silva (este volume). Diferentemente de Marques (este volume) os
autores chegam a dar algumas sugestões de conceituação de ecolinguagem. Já no
resumo da comunicação oral, eles dizem que "o objetivo deste artigo é
discorrer sobre a ética ecológica (ecoética) e mostrar como ela poderia ser
desenvolvida no contexto da Análise do Discurso Ecológica (doravante ADE), que
parte da ecolinguagem e enfatiza a defesa da vida, inclusive sugerindo
intervenção a fim de preservá-la". Para eles, "a ecolinguagem é
expressão vista numa perspectiva holística, ou seja, a captação
da totalidade orgânica, una e diversa em suas partes, sempre articuladas entre
si dentro da totalidade e construindo essa totalidade", reportando-se a
Leonardo Boff. Continuam asseverando que o uso do prefixo eco- faz parte da
ecolinguagem. Concluem com a observação de que se "percebe que é
necessária uma luta pela vida de todos os seres de todas as espécies sem
violência e criticando o antropocentrismo em sua máxima e, consequentemente,
contra tudo que pode trazer sofrimento" e que para isso "é necessário
partir da ecolinguagem e aliar a ecoética à ADE".
Diante
do que foi discutido até aqui, nota-se que ecolinguagem tem a ver com ecologia,
no sentido mais amplo da palavra. Mas, em vez de ser apenas uma linguagem
ecologicamente correta, é, antes, a linguagem que se mostra em sintonia com a
visão ecológica de mundo. Isso implica muitas coisas. Por exemplo, praticar
ecolinguagem é:
1)
respeitar a diversidade, em todos os sentidos;
2)
encarar tudo holisticamente, não parcialmente (com parcialidade);
3)
aceitar a ideia de que o mundo é impermanente, como dizem os taoístas; ele é um
processo, nada é reigidamente estático;
4)
procurar ser cooperativo, solidário, magninânimo e tolerante, como manda o
taoísmo;
5)
mostrar tudo isso na escolha das palavras e no modo de usá-las;
6)
usar uma linguagem ecologicamente correta.
Como
nos ensina a ecologia profunda, criada pelo filósofo norueguês Arne Naess
(1912–2009), tudo isso deve ser observado não só no que tange aos humanos mas
também no que diz respeito aos demais seres vivos, e até os aspectos abióticos
do mundo.
3.
Ideologia ecológica
Se
a ecolinguagem tem tudo a ver com ecolinguística, mesmo que o objeto da segunda
não se restrinja a ela, conclui-se que ela tem também a ver com o objeto de
estudo da análise do discurso ecológica, a ADE (Couto, este volume).
Ela surgiu com o objetivo de substituir a ênfase dada pela análise do discurso
tradicional à ideologia (política, partidária, religiosa etc.) e às consquentes
relações de poder. A ideologia no caso tem sido a marxista, que tem pelo menos
três implicações inaceitáveis para a visão ecológica de mundo. A primeira é o
antropocentrismo (sob o manto de humanismo), sendo que a ecologia defende o
biocentrismo e o ecocentrismo. A segunda é a ênfase no conflito, sendo que a ADE
e tudo que está por trás dela partem da harmonia, como se faz no taoísmo e na
ecologia profunda. A terceira é a "ditadura do proletariado", locução
nominal cujo núcleo é "ditatura", não "proletariado".
Sabemos muito bem a que distorções essa ideologia levou quando posta em prática
na União Soviética, na Alemanha Oriental, na Coreia do Norte e em Cuba, para
mencionar apenas quatro casos.
Como
a ecolinguística, bem como da visão ecológica de mundo em que se insere, a ADE
parte da ideologia ecológica, ou ideologia da vida. Para ela, o
mais importante no caso de uma mulher que sofre nas mãos de um marido violento
que chega bêbado em casa e a espanca todos os dias não é encarar o fato da
perspectiva do feminismo e do machismo. Feminismo e machismo são ideologias, e
ideologias são partidárias, dividem. A ADE defende a mulher não por ser mulher,
com o que a estaria pondo em oposição ao homem, mas por ser um ser vivo que
sofre. Assim, ela é posta em condição de igualdade com o homem, e seu
sofrimento deve ser combatido pelo simples fato de se tratar de sofrimento de
um ser vivo. Esse é o ponto central da ADE, a defesa intransigente da vida e
uma luta constante contra tudo que possa trazer sofrimento a um ser vivo. Dessa
perspectiva, quem a pratica está naturalmente usando ecolinguagem.
4.
Alguns dos primeiros estudiosos de temas relativos à ecolinguagem
Alguns
autores já trataram de temas que se incluiriam no bojo da ecolinguagem. O
primeiro que gostaríamos de mencionar é Bohm (2007). Embora seja um físico, ele
se preocupou muito com a questão da linguagem que usamos para falar do mundo,
que o reificaria, que veria nele coisas, representadas na linguagem por
substantivos. Para ele, "numa teoria relativística, é necessário abandonar
por completo a noção de que o mundo é constituído de objetos ou 'blocos de
ocnstrução' fundamentais", que seriam designados por substantivos (p. 30).
Assim, "uma característica muito importante desse tipo é a estrutura
sujeito-verbo-objeto das sentenças" que "tende a dividir as coisas em
entidades separadas" (p. 53), no caso, a coisa "sujeito" e coisa
"objeto", ligadas pela ação indicada pelo verbo. Segundo a nova visão
de mundo, introduziada pela teoria da relatividade, "em vez de dizer: 'Um
observador olha para um objeto', podemos mais adequadamente dizer: 'A
observação está ocorrendo, num movimento indiviso envolvendo essas abstrações
comumente chamadas de 'ser humano', e de 'objeto para o qual ele está
olhando'" (p. 54).
Uma
expressão como está chovendo está mais em sintonia com a nova visão de
mundo do que a chuva está caindo. Bohm acrescenta que "a bem da
conveniência, daremos a esse modo [de se expressar] um nome: reomodo (rheo
vem de um verbo grego que significa 'fluir'). Ao menos em primeira instância, o
reomodo será uma experiência no uso da linguagem, experiência essa voltada,
principalmente, para a tentativa de descobrir se é possível criar uma nova
estrutura que não seja tão inclinada à fragmentação como é a atual.
Evidentemente, nossa indagação terá de começar enfatizando o papel da linguagem
no modelamento de nossas visões globais de mundo, bem como em expressá-las mais
preciosamente na forma de ideias filosóficas gerais" (p. 55). Enfim, o
autor sugere que vejamos o mundo como uma imensa rede de interações, não como
um conjunto de coisas que se relacionam entre si. Embora ele aparentemente não
fosse um ecologista, sua proposta é inteiramente ecológica. Portanto, o que ele
defendeu pode integrar a ecolinguagem.
Um
segundo autor se dedicou ao assunto é o conhecido linguista Michael Halliday.
Num ensaio que se tornou divisor de águas na ecolinguística (Halliday 2001),
ele defende uma tese muito parecida com a de Bohm, mostrando que desde os
escritos de Newton, a tendência na língua inglesa é de ver o mundo mediante
nomes abstratos como termos técnicos tirados do grego via latim clássico e
medieval (incidence, proportion), nomes metafóricos como
nominalizações de processos e propriedades (the diverging and separation of
the heterogeneous rays), grupos nominais expandidos como palavras
funcionando como epítetos e classificadores (several contiguous refracting
Mediums), grupos nominais expandidos com frases e sentenças funcionando
como qualificadores (the Whiteness of emerging light, the refracting force of
the body), verbos metafóricos como verbalização de relações lógicas (arises
from, is occasioned by) e assim por diante. Fatos semelhantes são citados
para o italiano, na linguagem de Galileo (Halliday 2001: 187-188). O autor
acrescenta que o que esses autores fizeram foi simplesmente reforçar registros
da língua que já estavam disponíveis.
De
acordo com Halliday, os discursos tecnocrático, burocrático e científico são
herméticos, com o que os assuntos se tornam obscuros. Uma vez que "são
obscuros, não devemos ter esperança de entendê-los, de modo que a solução deve
ficar com os especialistas" (p. 190). Em parte isso se deveria, segundo
ele, à gramática nominalizadora e metafórica do século XX. De modo que a
chamada "sociedade da informação" deveria ser chamada de
"sociedade da desinformação". A proposta de Halliday afirma que
"a nominalização foi funcional para a evolução da ciência experimental,
possibilitando o desenvolvimento de taxonomias técnicas e desvelando as
relações existentes entre os processos, mas não é adequada para representar a
visão de mundo mais relativística que está emergindo da ciência moderna porque
representa um mundo de coisas, não de processos. Nominalizações como perda
de habitat, extinção de espécies e destruição da floresta pluvial
permitem a supressão do agente, o que ocultaria a culpa de quem causa tudo
isso. Enfim, essas ideias de Halliday salientam o que não é ecolinguagem, mas,
antes, o seu contrário.
Mais
próximos de nós temos os trabalhos do primeiro autor do presente ensaio, F.
Gomes de Matos. Como se pode ver no boletim do Instituto de Idiomas Yázigi (Criativity
n. 25, 1977) de que foi diretor, ele sugeria a associação enre linguagem e seu
ensino a ecologia já na década de setente do século passado, reportando-se a
Catherine Young Silva. Um dos objetivos era "estabelecer um equilíbrio
ecológico de modo a melhorar a qualidade de vida na terra". A partir daí,
o autor começou a apresentar sua proposta de "português
positivo", dentro da filosofia de
que "comunicar bem em português é comunicar-se para o bem", de acordo
com uma "filosofia da positividade" (Matos 1996: 13). Partindo da visão
de mundo cristã, sugeria que se tratasse o outro como o próximo, não o
estranho. Entre os termos que comporiam esse 'português positivo' e que,
portanto, são parte da ecolinguagem, temos: alegria, aliança, amizade, amor,
caridade, concórdia, consciência, esperança, honra, humildade, justiça,
liberdade, obediência, perseverança, por um lado, mas também aceitação,
bondade, compreensão, confiança, cooperação, dignidade, fidelidade,
generosidade, honestidade, sabedoria, santidade, sensatez, ternura, união,
verdade e virtude, por outro lado.
Essa
pesquisa continua até nossos dias, como se pode ver em Matos (1996, 2006). No
momento, ele tem enfatizado que uma alternativa comunicacional para palavras
maximizadoras, enfatizadoras poderia ser inspirar-se na relação entre linguagem
e meio ambiente e aplicar os princípios da ecolinguística. Assim, as algumas
intensificações passariam a ser expressas por oceânico(a), ensolaradamente
etc. No fecho de seus emails informais em português, ele tem dito Um
abraço ensolarado ou ativar a variante ensolaradamente, e mandar um
abraço. Quando exerce o direito linguístico de bilíngue (português e inglês),
encerra uma mensagem eletrônica assim: sunny regards. Ao agradecer a
um(a) amigo(a), frequentemente diz: an ocean of thanks (oceanicamente
agradecido). Seria como mergulhar nas águas ecolinguísticas disponíveis
para os usuários de português e criar modos de dizer inspirados por fenômenos
naturais. Ao exercer a criatividade linguística, que tal integrar a dimensão
ecolinguística e manifestar ideias enluaradamente, ao invés de
simplesmente dizer iluminadamente? Claro que essas maneiras de se
expressar constituem metáforas, mas comunicar é metaforizar, por isso,
empenhemo-nos em dar mais vivacidade aos nossos papéis de metaforizadores. Um
desafio ecolinguístico consistiria em traduzir uma expressão do informal usual
para o informal ecolinguisticamente inusitado. Exemplo: sua sugestão está
muito além das disponibilidades financeiras por sua sugestão está
financeiramente montanhosa.
Em
outras situações, poderíamos ter: uma noite de domingo estelarmente feliz
para você, agradeço oceanicamente pelo interesse em meu apelo em prol de
uma comunicação ecolinguisticamente construtiva, positiva, dignificante. No ensino de português quando se aborda a
metaforização bem se poderia ensolarar a qualidade das mensagens e plantar
ideias que frutifiquem para o bem dos usuários de línguas. Às vezes
Matos termina as mensagens com abraço capibaribeano, lembrando o rio de
sua infância, em Recife. Ao cumprimentar um tecnólogo educacional, em vez de
dizer votos de muito sucesso tecnológico, que tal dizer deliciosos
frutos em suas árvores tecnológicas?". Enfim, Bohm, Halliday e Matos
sugeriam, e usavam, ecolinguagem mesmo avant la lettre.
Por
fim, temos o falecido ecolinguista brasileiro Manoel Soares Sarmento que
sugeriu diversos tipos de expressão para uma futura ecolinguagem. Em Sarmento
(2002, 2012), ele propõe uma ecolexicologia e uma ecolexicografia.
De um modo geral, o autor propunha "palavras ecológicas" e
"expressões ecológicas", no contexto de sua ecolexicografia. Em
Sarmento (2012), ele diz que "nossa ciência tem de se ver às voltas
seriamente, na realização de suas discussões e tarefas, com as palavras que
usamos, a respeito dos efeitos que elas causam, quais as suas potencialidades
para criar, enfraquecer, fortalecer, manter e destruir". "Alguns
alvos de anvestigação da ecolinguística" seriam: "tratar a língua
face aos sistemas biológicos diversos e similares"; realizar a crítica da
língua, tanto em termos do par língua-meio ambiente, quanto de uma crítica ao
sistema interno da língua. Assim, o trabalho envolveria os estratos comumente
discutidos da língua humana: o léxico, a morfologia a sintaxe, a semântica
etc.".
Por
fim, cabe mencionar a conbrituição do quarto autor que tentou aplicar os
princípios do taoísmo à linguagem (Couto 2012). Tudo que está dito no livro
está no escopo da ecolinguagem, uma vez que a linguagem taoísta é ecolinguagem,
como se verá na seção seguinte.
5.
O tao da linguagem
Aqui
vamos apenas lembrar algumas passagens de Couto (2012). No capítulo
"Conclusão" do livro, vemos que "o tao da linguagem consiste em:
-
Valorizar mais o conteúdo do que a forma
-
Falar apenas o necessário
-
Ouvir mais do que falar
-
Não querer dominar a palavra
-
Respeitar o direito do interlocutor à palavra
- Comunicar-se harmoniosamente
- Expressar-se suavemente.
Afinal, como diz um provérbio chinês, palavras
ríspidas e argumentos pobres nunca resolveram nada" (p. 224-225).
Entre
as palavras que constituiriam o "vocabulário taoísta" e, portanto,
faria parte da ecolinguagem, o livro alinha:
"a.
O EU em relação com o próximo:
-
desculpa (resposta: "de nada")
-
perdão (resp.: "está perdoado")
-
com licença (resp. "pois não!")
-
paz
-
benevolência
-
fraternidade
-
tolerância
-
amor
-
compaixão
......................
b.
O EU em relação com o mundo
(que inclui a relação com o próximo)
-
harmonia
-
flexibilidade
-
adaptabilidade / amoldabilidade
-
receptividade
.......................
c.
O EU em relação consigo próprio
-
serenidade
-
moderação
-
simplicidade
-
saúde
-
sabedoria (não erudição)
-
tranquilidade
-
humildade
-
suficiência
-
moderação
........................."
Tudo
isso está em sintonia com as ideias do primeiro autor do presente ensaio
apresentadas sumariamente na seção 4.
6.
A linguagem não preconceituosa
Em
Couto (2007: 347-356), há toda uma gama de termos que pertencem a uma linguagem
preconceituosa que não tem lugar na ecolinguagem. Entre eles temos o
antropocentrismo, o etnocentrismo
(racismo), o androcentrismo (machismo, sexismo), o crescimentismo (grandismo),
o aulicismo (classismo) e a linguagem "culta". O antropocentrismo nos
leva a achar que somos "os reis da criação" e que todos os demais
seres vivos estão aí para nos servir. Isso fica evidente em alguns nomes de
animais usados pejorativamente, como bicho, animalesco, bestial,
selvagem, simiesco, burro, porco, cavalo, vaca.
Além disso, procuramos nos distanciar deles, usando palavras diferentes para
nós e para eles, tais como pé versus pata.
O
etnocentrismo não poderia ser mais distante dos ideais da ecolinguagem. De
acordo com ele, "certo" é o que existe em nossa cultura; o que existe
só na dos outros é "errado". Essa mentalidade em levado a
atrocidades como a do nazi-facismo. Ele aparece também sob a forma de racismo,
que consiste em dividir a humanidade em "raças", sendo umas poucas
entre elas "superiores" e as demais "inferiores". Essa
mentalidade levou à escravidão e a todo tipo de sujeição dos segundos pelos
primeiros.
Em
terceiro lugar vem o androcentrismo. Desde priscas eras o homem tem se
considerado superior à mulher em culturas as mais diversas. Como consequência,
ele tem muito mais direitos sobre ela do que ela sobre ele, e ela tem muito
mais obrigações para com ele do que ele para com ela. Mais recentemente, essa
ideologia tem se manifestado sob o signo do machismo e até do sexismo. Tudo
isso transparece claramente nas línguas ocidentais. Vejamos um exemplo
contundente. O órgão genital masculino aparece em muitas expressões, como grande
pra caralho, isso é difícil pra cacete etc. Isso atribui a ele um papel
"engrandecedor", por expressar a "virilidade". O da mulher
é o maior tabu da língua portuguesa, de modo que ninguém ousa proferi-lo em
público.
O
crescimentismo está intimamente associado a essa visão de mundo. O ideal de
qualquer dirigente estatal é crescer, ou seja, ir de um estado menor para um
maior. É o que almeja o desenvolvimentismo. Por trás de tudo isso, está a ideia
de que "grande" é bom, e "pequeno" é ruim ou, pelo menos,
não tão bom quanto o grande. Ainda bem que houve autores que ousaram afirmar
que pequeno é bonito (small is beautiful), como fez Schumacher
(1975).
Temos
também o classismo, que talvez fosse melhor ser chamado de aulicismo,
ou seja, hábitos e costumes dos áulicos, habitantes da corte. Eles se
intitulavam corteses, sendo que os habitantes do campo eles chamavam de
pessoas rudes, rústicas, que têm a mesma origem que
"rural". Seria a cortesia
oposta à vilania, dos habitantes da vila. Uma parte da população é a elite
(o escol), oposta à ralé, à plebe ou ao populacho.
Poderíamos aduzir ainda pagão, gentio e outros, do lado rural,
opostos à "polidez" dos áulicos. Modernamente, como não não há mais
corte, opõe-se o campo à cidade. Assim, os habitantes das cidades, os urbanitas
seriam os urbanos, que agiriam com urbanidade, por oposição ao
comportamento dos rudes e rústicos habitantes da zona rural. Aqui
entra o preconceito contra a linguagem rural, em que se dizem coisas como nóis
vai, nóis vorta, cê tá bão? e outras. Nada no mundo justifica
esse preconceito, motivo pelo qual a ecolinguagem não o aceita.
A
ecolinguagem evita tudo isso. Todos esses -ismos vão na direção contrária à da
harmonia requerida por ela, e na direção do conflito. Em vez de agregar,
segregam. Em vez de integrar, desintegram.
7.
Discussão
O
que é ecolinguagem, afinal de contas? Em sintonia com a visão ecológica de
mundo e com o taoísmo, ecolinguagem é a linguagem que tem por lema central a
harmonia, não o conflito; que defende a ideologia ecológica ou da vida, não a
ideologia política (partidária, religiosa etc.). O problema com ideologias como
a do próprio feminismo é que elas dividem, separam, levam a atritos (‘bom/mau’,
‘eu/os outros’ etc.), enquanto que a visão ecológica de mundo procura juntar,
somar, integrar. A ideologia ecológica procura entender as expressões em um
sentido meliorativo, não pejorativo. Tendo isso em mente, pode-se dizer que
“ecolinguagem é linguagem ecologicamente correta”, mas só com essa ressalva.
Ainda
em sintonia com ecologia e taoísmo, ecolinguagem é a linguagem da comunhão.
Como sabemos, comunhão é a base para todo e qualquer entendimento. Quando as
pessoas estão em comunhão, com o que estão se comunicando harmoniosamente em
silêncio, nem é necessário que usem palavras. Por outro lado, linguagem não
harmoniosa é incomunhão ou descomunhão, que só pode levar ao
desentendimento. Tanto que se pode dizer que ‘entendimento’ está para
‘comunhão’ assim como ‘desentendimento’ para ‘incomunhão’. Atrito é ausência de
entendimento, falta de comunhão. A sabedoria popular já deixa isso claro na
palavra 'desentendimento'. Ele se dá em situações em que não há comunhão nem
comunicação, em que as pessoas não se entendem.
8.
Observações finais
Repitamos,
usar ecolinguagem é admitir e assimilar a visão ecológica de mundo. Isso
implica muita coisa uma
vez qaue a ecolinguagem é muito ampla. Além de um ecoléxico, há também
uma ecogramática, como postulada por David Bohm, Michael Halliday e o
jovem ecolinguista dinamarquês Sune Steffensen (2008). Além disso, emos o meio
ambiente. Toda variedade linguística, e a ecolinguagem não é exceção, tem
relações com o meio ambiente natural, o mental e o social, como previsto na
linguística ecossistêmica. Enfim, praticamente todo ensaio que se insira na
ecolinguística crítica, na linguística ambiental ou na análise do discurso
ecológica estará tratando de questões atinentes à ecolinguagem.
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Couto,
Elza K. N. do & Silva, Samuel Sousa. 2013a. Análise do discurso ecológica:
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Couto,
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